Uma tumba anglo-saxã encontrada em uma estrada movimentada está sendo considerada como “o equivalente britânico da tumba de Tutancâmon”. A informação é do The Guardian.
Os arqueólogos responsáveis divulgarão em breve o resultado de anos de pesquisas sobre a tumba de um poderoso nobre anglo-saxão. A descoberta ocorreu em 2003, em Prittlewell, distrito localizado no condado de Essex, sudeste da Inglaterra.
Um achado fortuito
A câmara funerária foi encontrada às margens de uma rodovia muito movimentada. Tudo por causa de uma proposta para ampliar a estrada adjacente. A tumba foi totalmente escavada e a pesquisa realizada por uma equipe multidisciplinar. A equipe foi formada por especialistas em arte anglo-saxônica, marcenaria antiga, ciência do solo e engenharia.
Na época, os pesquisadores ficaram boquiabertos com o estado de conservação surpreendente em que a câmara se encontrava. No entanto, apenas agora, após 16 anos de investigações minuciosas envolvendo mais de 40 especialistas, é que estão chegando a uma imagem mais precisa da descoberta.
Porém, por se encontrar em um solo de drenagem livre, tudo que era orgânico se decompôs. Sophie Jackson, diretora de pesquisa do Museu de Arqueologia de Londres (MOLA, sigla em inglês), disse que a tumba poderia ser descrita como um equivalente britânico do túmulo de Tutancâmon, ainda que diferente de várias maneiras.
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“Era essencialmente uma caixa de areia com manchas”
Mas não se tratava de uma caixa de areia qualquer.
“Foi uma das descobertas arqueológicas mais significativas que fizemos neste país nos últimos 50 a 60 anos.”
A pesquisa trouxe à luz objetos anteriormente escondidos, além de pintar uma imagem de como a câmara foi construída. Trouxe igualmente novas evidências de como a Essex anglo-saxã se encontrava na vanguarda da cultura, religião e intercâmbio com outros povos ao longo do Mar do Norte.
O ocupante da tumba
As análises levantaram ainda o possível nome do ocupante do túmulo. A hipótese preferida por parte dos pesquisadores era a de que se tratasse do rei dos saxões orientais Seberto de Essex. Ele morreu aproximadamente em 616 d.C. No entanto, as análises científicas estipulam a data do enterro em finais de século VI, próximo a 580 d.C.
Esse dado abre espaço para a hipótese de tratar-se de Seaxa, irmão mais novo de Seberto. Infelizmente, o corpo dissolveu-se por inteiro e apenas pequenos fragmentos do esmalte dos dentes permanecem. Por isso, tornou-se impossível comprovar a sua identidade de forma precisa.
Mais antiga tumba anglo-saxã cristã
Cruzes de folha de ouro foram encontradas no túmulo, indicando que ele era um cristão, um fato similarmente surpreendente para os historiadores.
Sue Hirst, especialista em funerais anglo-saxões do MOLA, afirmou que a data era muito precoce para a adoção do cristianismo na Inglaterra, antecedendo a missão de Agostinho de Cantuária de extirpar o paganismo do país.
A possível explicação pode ser encontrada no fato de Ricula, mãe de Seaxa, ter sido irma do Rei Etelberto de Kent. Este último era casado com a princesa franca cristã Berta.
“Ricula teria trazido consigo o conhecimento profundo do cristianismo de sua cunhada.”
“Reconstruindo” a tumba
Os trabalhos para recriar o design da câmara têm sido difíceis, pois as estruturas originais em madeira apodreceram. Restaram apenas manchas e impressões da estrutura no solo.
A equipe do museu estima que foram necessários de 20 a 25 homens trabalhando cinco ou seis dias, em diferentes grupos, para construir a câmara, envolvendo a derrubada de 13 carvalhos.
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“Foi um esforço coletivo significativo. Você tem que enxergar essa câmara funerária como uma peça de teatro. Ela está enviando uma mensagem poderosa para as pessoas que estão vindo vê-la, levando histórias dela. Ela diz ‘somos pessoas muito importantes e estamos enterrando uma das nossas pessoas mais importantes’.”
Uma lira ornamentada
Dentre os objetos identificados na sepultura, está inclusa uma lira de madeira — o mais importante instrumento de cordas do mundo antigo — que deteriorou-se quase que inteiramente. Restaram fragmentos de madeira e acessórios de metal, preservados em uma mancha de solo.
Uma microescavação realizada em laboratório revelou que o instrumento foi feito com madeira de maple, com tarraxas de freixo e granadas almanditas em dois dos acessórios. Provavelmente, as gemas são originárias do subcontinente indiano ou do Sri Lanka. A lira havia partido em duas em algum momento, sendo restaurada posteriormente.
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Outros objetos encontrados
A tumba anglo-saxã armazenava, além da lira:
- Cruzes de folha de ouro encontradas na cabeceira do caixão possivelmente depositadas sobre os olhos — confirmando que ele era cristão;
- No entanto, outros costumes funerários, como o enterro em um monte funerário, os artefatos de sepultura e a câmara de madeira, refletem crenças e tradições pré-cristãs;
- Uma fivela dourada, provavelmente feita especialmente para o enterro, sugere um indivíduo de alto status;
- Um “excepcionalmente grande” caixão de madeira de freixo com uma tampa elaborada, com espaço para um cadáver e outros itens mundanos. Seu peso girava em torno de 160 kg;
- O tamanho do caixão e o arranjo dos itens dentro dele sugeriam que ele tinha cerca de 1,68 m de altura
- Um banquinho de ferro dobrável, pensado para ser um gifstol, um assento a partir do qual um lorde dispensava recompensas e julgamento para seus leais seguidores e guerreiros;
- Uma “espada habilmente trabalhada” com nervuras de ouro no cabo de chifre e uma lâmina complexa, soldada em um padrão. Um sinal claro de um enterro aristocrático ou real.