No dia 9 de novembro estreou na Netflix o drama medieval Legítimo Rei (Outlaw King), dirigido por David Mackenzie (A Qualquer Custo).
A trama é estrelada por Chris Pine (Mulher-Maravilha), no papel de Robert the Bruce, rei escocês que lutou até conseguir a independência de seu país frente à Inglaterra. Mas, pera… Onde foi que ouvimos este nome antes? Ah, sim, em Coração Valente de Mel Gibson. Fica difícil não comparar um filme com o outro…
Sinopse
A história não contada de Robert the Bruce, que se transformou de nobre derrotado a um rei relutante, terminando como um herói fora-da-lei no espaço de apenas um ano. Forçado a entrar em guerra para salvar sua família, seu povo e seu país da opressiva ocupação inglesa da Escócia medieval, Robert toma a coroa escocesa e lidera um grupo desorganizado de combatentes no enfrentamento do exército mais poderoso do mundo, comandado pelo feroz rei Edward I e seu filho instável, o Príncipe de Gales.
Cronologicamente, o filme se passa mais adiante em relação à narrativa dos feitos de William Wallace em Coração Valente. Aqui, como era de esperar, valoriza-se muito mais o papel de Robert na luta pela independência escocesa. Em comum, ambas produções mostram a captura e execução do líder rebelde Wallace como ponto de virada para Robert. A partir daí, ele entra em confronto aberto com os ingleses. Enquanto o filme de Mel Gibson termina nesse momento, Legítimo Rei segue até à primeira vitória significativa do rei escocês: A Batalha de Loudoun Hill (1307).
A sequência inicial
O filme tem início na Escócia de 1304, em uma reunião convocada pelo rei inglês Edward I para garantir juramentos de fidelidade por parte dos nobres escoceses. Merece destaque a interpretação do rei por Stephen Dillane (Game of Thrones), que passou longe de uma caricatura do monarca como o vilão inteiramente desumano de Coração Valente.
A sequência retrata bem as relações tensas, mas diplomaticamente corteses entre conquistadores e conquistados. Fica clara a sensação de que o barril de pólvora explodirá cedo ou tarde, no entanto. Por falar em explosão, os entusiastas ficarão contentes com o trébuchet arremessando fogo grego sobre as muralhas Castelo de Stirling ao final da cena.
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James Cosmo (Game of Thrones), o Campbell de Coração Valente, está de volta ao mesmo cenário, desta vez como Robert, o pai de Robert… e filho de Robert. Sua breve participação na película mostra o incentivo ao filho a manter a fidelidade escocesa perante o Rei Edward. Bom, pelo menos até mostrar certo arrependimento e, sem qualquer cerimônia, bater as botas. Infelizmente, este é o retrato de grande parte do filme. É marcante a falta de emoção, exacerbada por cenas mais curtas do que deveriam ser.
Legítimo Rei parece ter sofrido severamente com as verdadeiras amputações de 20 minutos de filme até chegar à sua versão comercial. O diretor garante que foi ideia sua e não da Netflix. No entanto, essa parece ser cada vez mais a tônica das produções atuais no mercado. Na teoria, agrada-se a um público com menos paciência para filmes de longa duração, em detrimento da qualidade do enredo. O resultado é um filme com diálogos corridos demais para as consequências deles, com personagens apáticos frente aos acontecimentos.
O casal real
A atriz Florence Pugh (Lady Macbeth) foi bastante ovacionada por seu papel como a rainha consorte de Robert, Elizabeth de Burgh, durante a exibição no Toronto International Film Festival. Sem dúvidas, ela está muito bem no papel. Porém, fica a impressão de que, para o corte final do filme, faltou um maior desenvolvimento de sua personagem e da relação entre o casal real. É bem verdade que Robert estava enlutado pela morte de sua primeira esposa, Isabella, e que o casamento de ambos foi arranjado pelo próprio Rei Edward, mas a falha aqui foi no passo da mudança de comportamento por Elizabeth. De uma hora para outra ela encontra-se totalmente devotada a Robert, que nesse pequeno intervalo nem deu tanta atenção assim a ela.
A maior preocupação dos roteiristas, pelo menos para a primeira metade do filme, parece ter sido a de criar uma personagem feminina forte e decidida frente a um homem hesitante e apático. De fato, até (finalmente) consumarem o casamento, o Robert de Chris Pine não passa de um “boca-aberta” sem expressão:
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Para ser justo, depois do “melhor entendimento” entre o casal, a própria interpretação do personagem pelo ator melhorou bastante. O incentivo, por assim dizer, o tornou muito mais interessante enquanto líder guerreiro:
O confronto
O filme mostra os percalços enfrentados por Robert para enfrentar um exército muito mais poderoso que o seu: negociações malfadadas com um concorrente ao trono escocês; recusas por parte de outros nobre em aderir à sua campanha; e as derrotas militares, reduzindo drasticamente as suas forças. Os escoceses sequer tinham números suficientes para ocupar os fortes reconquistados. Esses motivos os levaram à decisão de adotar táticas de guerrilha e de terra arrasada contra o inimigo.
São dois os personagens que resumem o desenrolar do filme: Robert, metade do filme morno, mas com bons momentos no resto do tempo, e Edward, o Príncipe de Gales, interpretado por Billy Howle (Dunkirk). Em parte das suas aparições, Howle interpreta brilhantemente um Edward inseguro, sim, mas sem beirar ao caricatural. O mesmo não pode ser dito dos arroubos de insanidade bastante forçadores de barra em outras cenas dispensáveis. O encontro final entre os dois personagens é vergonhoso, beirando ao cartunesco. “Que m… você está fazendo?” é o que vem à cabeça nessas horas.
Pontos positivos
Há que se destacar os figurinos e caracterizações dos personagens, muito mais fiéis ao período histórico do que Coração Valente. A deslumbrante fotografia, trazendo a beleza das Highlands, castelos e catedrais, além dos vilarejos populares, também é digna de nota. Elementos medievais como as relações de suserania e vassalagem e os códigos de honra foram igualmente bem retratados pela produção.
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As reminiscências de Coração Valente são sentidas em algumas cenas simbólicas: a troca de olhares à distância entre Robert e Elizabeth, interrompida pela chegada de tropas inglesas — assim fizeram os amantes secretos Wallace e Murron; e na presença de um personagem quase-maníaco, James Douglas, energicamente interpretado por Aaron Taylor-Johnson (Vingadores: Era de Ultron), um substituto à altura do irlandês Stephen de David O’Hara (The Tudors).
Os momentos mais intensos do filme ficam mesmo por conta das cenas de batalhas, bem executadas, especialmente a Batalha de Loudoun Hill, que fecha a produção. O discurso de Robert é particularmente apropriado para um confronto enlameado contra as forças inglesas. O desfecho é reforçado pela lealdade do garoto Drew (Stephen McMillan) em proteger a coroa de Robert com a própria vida, um dos momentos mais inspirados do filme.
Conclusão
As cenas de batalha, suas consequências e o cenário dignos de campanhas de marketing turístico salvam o filme da irrelevância. Legítimo Rei está mais próximo da realidade histórica do que Coração Valente, mas o corre-corre do enredo deixou claro uma coisa: falta no primeiro algo que sobra no segundo: espírito. O William Wallace de Mel Gibson continuará a inspirar muito mais os espectadores que o rei fora-da-lei de Chris Pine.
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Ficha técnica
Legítimo Rei (Outlaw King) — Estados Unidos, Reino Unido, 9 de novembro de 2018
Direção: David Mackenzie
Roteiro: Bathsheba Doran, David Mackenzie, James Maclnnes, David Harrower, Mark Bomback
Elenco: Chris Pine, Stephen Dillane, Rebecca Robin, Billy Howle, James Cosmo, Aaron Taylor-Johnson
Duração: 121 minutos.