Medieval - Contos de uma era fantástica | Ana Lúcia Merege & Eduardo Kasse (Orgs.) | Editora Draco
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Medieval – Contos de uma era fantástica | Resenha

por. Thiago Marques
Publicado: Atualizado: 0 comentários 12 minutos de leitura

Recebemos gentilmente uma cópia de Medieval – Contos de uma era fantástica diretamente da Editora Draco para uma resenha sincera da obra.


Medieval – Contos de uma era fantástica é uma coletânea de contos de fantasia medieval, composta por trabalhos de autores experientes no gênero. Publicada em 2016, a coletânea faz uma verdadeira jornada entre o Ocidente e o Oriente medievais, mostrando profundo conhecimento por parte dos autores acerca dos planos de fundo selecionados para suas histórias.


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Sinopse

Por cerca de mil anos, a roda da História girou num ritmo vertiginoso: castelos e fortalezas se ergueram e foram destruídos, cidades se multiplicaram, guerras sangrentas se alternaram com períodos de paz. Migrações, invasões, o surgimento da imprensa e, por fim, as grandes navegações expandiram os limites do mundo. Tudo isso marca o período conhecido como Idade Média, que nos legou incríveis narrativas povoadas de seres mágicos, fadas, bruxas e encantamentos.

 

Foi esse imaginário que inspirou os autores de Medieval – Contos de uma era fantástica a contar suas histórias. Das cruzadas às invasões vikings, passando pela Espanha mourisca, Oriente Médio, China e pelo Japão dos samurais, todos os contos são ambientados em lugares do mundo real – um tempo em que o fantástico e o maravilhoso se mesclavam naturalmente aos eventos do cotidiano.

 

Organizado pelos especialistas em Idade Média e ficção histórica Ana Lúcia Merege e Eduardo Kasse, eles participam com contos cheios de magia ao lado de Melissa de Sá, A. Z. Cordenonsi, Roberto de Sousa Causo, Erick Santos Cardoso, Nikelen Witter, Karen Alvares e Helena Gomes.

 

Com este livro você viajará pelo tempo e pelo espaço, para essa época onde sempre se imaginam os mais incríveis mundos de fantasia. Num tapete mágico, num drakkar, num corcel de batalha — ou simplesmente nas asas de sua imaginação.

Capa da coletânea de contos Medieval - Contos de uma era fantástica, organizada por Ana Lúcia Merege e Eduardo Kasse e publicada pela Editora Draco

Medieval – Contos de uma era fantástica | Ana Lúcia Merege & Eduardo Kasse (Orgs.) | Editora Draco


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Ecos de uma era fantástica

A Idade Média povoa o imaginário das pessoas no Ocidente (e no Oriente) como uma época em que o sobrenatural era algo muito próximo do cotidiano das pessoas. Assim, o livro começa abordando precisamente essa característica em sua apresentação.

Em seguida, pontua a emergência do racionalismo como o marco do desencantamento do mundo, mas cita as tentativas posteriores de reencantá-lo, a partir do século XIX, com nomes como Walter Scott e Howard Pyle. Conclui a breve retrospectiva com os autores que deram a roupagem moderna do fantástico ambientado em mundos reminiscentes dos reinos medievais, como é o caso de J. R. R. Tolkien e, mais recentemente, George R. R. Martin.

Erva daninha

A jornada pelo medievo tem início com o conto de Melissa de Sá, na pele de Pierre, um soldado francês em uma Veneza de 1202. A cidade encontrava-se imersa em contradições e no caos provocado pelas tropas acampadas, esperando reforços e recursos para seguir rumo a Jerusalém. É nesse ambiente que Pierre se aproxima de uma rica e misteriosa mulher chamada Agnes. Ela vivia com seu igualmente misterioso pai, Darko, que habitara em Constantinopla antes de instalar-se em Veneza.

A relação entre Pierre e Agnes, bem como com o pai dela, é pacífica e instigante para o soldado. Porém, tudo muda quando o doge de Veneza, Enrico Dandolo, aparece na casa da família. Suas visitas e questionamentos à família são estranhamente insistentes aos olhos do rapaz.

Sem aprofundar muito mais para não “entregar o ouro”, devo dizer que este belíssimo conto trata da benevolência e da culpa… mas também da cegueira pelo poder. Enrico Dandolo é um homem ambicioso e suas ações levam ao episódio mais vergonhoso da Quarta Cruzada: o saque de Constantinopla.

O desejo de Pungie

A viagem agora passa por Zhongdu, como se chamava Pequim no século XII, sob cerco da horda mongol de Genghis Khan. O conto de A. Z. Cordenonsi narra a história do funcionário do governo imperial chinês, Pungie. O protagonista é um khitan (ou kitai), povo nômade proto-mongólico que viria a se instalar na China.

Sua família encontra-se em um estado de penúria, devido à escassez de alimentos provocada pelo cerco. A situação faz com que sua mulher volte-se contra ele e retorne para a casa dos pais com os dois filhos do casal. Ele precisa garantir a segurança de sua família e recuperar a sua honra o que o leva a buscar ajuda com sua tia bruxa, aferrada aos costumes khitan.

Esta é uma bela história de sacrifício, enriquecida pela ambientação e terminologias características dos povos e períodos envolvidos.


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A clareira mágica

O conto de Roberto de Sousa Causo se passa no castelo de Guimarães, em uma comemoração à vitória em combate do então infante Dom Afonso Henriques. Acompanhamos a história de Diogo Sardo, um herói de guerra marcado pelos ferimentos sofridos em batalha. Durante a festa, ele é abordado por uma jovem chamada Anabel. Ela o leva a um bosque nos arredores do castelo, onde Diogo experimenta os mistérios das florestas. Locais frequentados por vagantes e amantes, as matas foram retratadas por autores cristãos da Antiguidade e da Idade Média como local de perigos e tentação.

O conto aborda o preconceito cristão frente ao pagão e à natureza selvagem. Trata também da defesa da honra familiar e da luta pelo amor. Aliás, uma luta literalmente tem lugar num duelo magnificamente descrito entre Diogo e o cavaleiro Fernão Olivares, que acusa Anabel de bruxaria.

Sacrifício

Eduardo Kasse ambienta sua história na Era Viking. O conto inicia com um quarteto de irmãos guerreiros vikings atacando um acampamento de ladrões para recuperar suas vacas roubadas. A descrição dos combates mostra a habilidade que o autor possui em descrevê-los de forma visceral e convincente.

No entanto, o foco desta história é o encontro entre um draugen — um desmorto da mitologia nórdica — e Ragnvald, um dos irmãos. A aparição monstruosa o convoca para um bosque e o traz uma premonição acerca do ataque que os vikings realizariam contra a Inglaterra no futuro próximo.

A história de Kasse ilustra os costumes dos nórdicos de forma fidedigna aos testemunhos da época, como os de Ibn Fadlan. Seus rituais públicos em preparação às distantes viagens foram abordados aqui em consonância com tais relatos. A profusão de expressões de baixo calão, por sua vez, reforçou a imagem quase animalesca que alguns desses relatos traçam sobre os vikings. No entanto, o resultado final foi o de um conto bem executado, envolvendo de forma equilibrada misticismo e ação.


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Kitsune

Erick Santos Cardoso escolheu como tema de seu conto um mito comum (com diferenças pontuais) às culturas do extremo-oriente: o do espírito-raposa (kitsune significa “raposa” em japonês). E é no Japão onde se passa a história, que tem início com um samurai, apelidado de Kitsune por seus amigos, prestes a cometer suicídio ritual (seppuku).

A vida de Kitsune não foi exatamente uma trajetória de honradez. Servindo fielmente a um senhor feudal corrupto e cercado por companhias igualmente questionáveis, o samurai não enxerga nada adiante senão o vazio existencial. Porém, enquanto o sangue jorrava de seu ventre, eis que uma raposa aparece para ele, questionando-o sobre a sua decisão em pôr fim à própria vida. Ela oferece a oportunidade de assumir a sua forma para que pudesse cuidar de sua mulher sem que fosse notado: a raposa concede a sua forma a Kitsune.

O que o protagonista passa a testemunhar através dos olhos de uma raposa o surpreende imensamente. De todos os nove contos, este é o que mais se aprofunda no simbolismo, exigindo um pouco mais de atenção para captar os detalhes. Uma grande história, de todo modo.

A dama negra e a donzela de palha

O conto de Nikelen Witter transporta o leitor à Inglaterra medieval, seguindo os passos de Edward, um desafortunado jovem camponês. Enquanto tentava estabelecer uma conversa com a bela filha dos donos de estalagem, é agredido e arrastado para longe por um grupo de valentões.

Sua grande humilhação foi testemunhada por uma jovem inteiramente negra como ele nunca havia visto antes. A mulher estava enjaulada em uma carroça, mas seus captores haviam se afastado para comprar comida para a viagem até o seu destino: Londres.

Ela ajuda a jovem a escapar e esse encontro o lega poderes mágicos que ele só virá a compreender mais tarde, após um encontro com uma outra garota igualmente misteriosa.

Com os pés nas histórias feéricas medievais, este conto transmite de forma envolvente o peso do poder e das escolhas que devem ser feitas a partir de uma posição de alta responsabilidade.


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O grande livro do fogo

Ana Lúcia Merege ambienta a sua história no então reino muçulmano de Córdoba, acompanhando o tapeceiro Mustafa e sua filha Khadija. Ao contrário do pai, devoto e quieto, a garota é bastante comunicativa e ambiciosa. Por meio de uma conversa com uma lavadeira de uma das famílias mais ricas de Córdoba, ela fica sabendo que seu patrão, o rico comerciante Walid Abu-Bakr, supostamente guarda um jinn (gênio) em casa.

Como teria Walid tornado-se tão rico, senão pela posse da entidade sobrenatural? A ideia tentou Khadija que, por sua vez, tentou o honesto pai a apoderar-se do jinn. Ela traça um plano para que sejam recebidos na residência de Walid e furtem a garrafa onde ele estaria encerrado.

Durante a tentativa de furto, Mustafa acaba por arrepender-se da ação ao constatar o bom homem que é Walid. Este, perdoa pai e filha, resolvendo revelar a eles toda a verdade sobre o jinn. Ele diz que a chave para poder lidar com um jinn é o tratado conhecido como O Grande Livro do Fogo, oculto em algum lugar secreto. Walid o procurou por muitos anos, mas sem sucesso. Como não o encontrou, jamais se atreveu a abrir a garrafa com o jinn.

Ao final dessa conversa, a imprudência de Khadija levará os três a uma aventura digna das Mil e Uma Noites.

Este é um conto sobre a busca pelo essencial, entrelaçando de forma improvável a vida dos personagens de forma emocionante e repleta de magia.

A flor vermelha

Outro conto ambientado na China, A Flor Vermelha de Karen Alvares tem início com o imperador Gaozo de Tang chorando a morte de sua filha, a princesa guerreira Pingyang. A partir daí, a história é contada como retrospectiva da trajetória de Pingyang.

Ainda criança, ela demonstra desinteresse em seguir o caminho destinado às mulheres na sociedade chinesa tradicional. Seu pai, o então duque Li Yuan acaba por ceder aos desejos da filha e permite que ela receba instruções de combate. É o tempo do reinado do imperador Yang da Dinastia Sui, primo de Li Yuan, um período de decisões equivocadas e tumulto.

Enquanto suas habilidades se desenvolvem, Pingyang e seu jovem mestre Lin Syaoran aproximam-se mais do que deveriam. Isso faz com que a mãe de Pingyang conte o ocorrido a Li Yuan, que põe fim aos treinamentos e arranja um casamento para a filha. Posteriormente, o agravamento da situação do império leva os personagens a tomarem a responsabilidade pelo destino de seu povo.

Este é o único dos contos que não possui elementos sobrenaturais. Os personagens são em sua maioria figuras históricas que tomaram parte ativa na instauração da Dinastia Tang. A partir dos relatos da época, a autora construiu uma história emocionante, na qual os protagonistas decidem tomar as rédeas de seus destinos frente à rigidez das relações sociais e ao caos provocado por um governo incapaz.


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Lenora dos Leões

O conto de Helena Gomes tem lugar na Península Ibérica do século XIV, na corte do rei de Castela Pedro I, o Cruel. Ela rapta sua sobrinha que havia sido atirada aos leões pelo próprio pai, Enrique, e resolve criá-la por despeito ao meio-irmão bastardo.

Eu poderia falar um pouco mais sobre o pano de fundo da história, mas não creio que seja realmente importante. Ao contrário dos demais contos, cada um ao seu modo brilhantemente tratando de temas como destino, redenção e honra, Lenora dos Leões parece ter sido concebido com apenas uma intenção: chocar.

Temos aqui uma história narrada em primeira pessoa por uma vítima de estupro pelo próprio tio. Este a criou como filha e, patologicamente, ela ainda acaba apaixonada por seu algoz. Certamente há publico para isso, mas não estou entre eles.

No fim das contas, é uma pena que uma coletânea reunindo outros oito contos de altíssimo nível finalize justamente com o sabor amargo deste último.


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Apesar disso, não há como tirar o brilho das demais histórias, que são muito bem-sucedidas em transportar o leitor à Idade Média. Da Península Ibérica ao Japão feudal, as trajetórias dos personagens são emocionantes, surpreendentes e permeadas por magia e/ou ação dignas de grandes épicos, apesar do tempo reduzido que temos com eles, devido à natureza breve dos contos.

O livro tem 232 páginas em formato brochura e digital.

Onde comprar: Amazon

Ficha técnica

Organizadores: Ana Lúcia Merege e Eduardo Kasse
ISBN: 978-85-8243-100-9
Gênero: Fantasia medieval
Formato: 14 cm x 21 cm
Páginas: 232
Ano de publicação: 2016


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