Holger, o dinamarquês (Holger Danske), também conhecido como Ogier, é um exemplo característico do arquétipo dos “reis sob a montanha”.
Embora tenha sido retratado como dinamarquês desde os registros mais remotos de sua lenda, sua origem remonta a diversas canções de gesta, poemas épicos que surgiram na França a partir do século XI. Suas histórias foram narradas de maneiras distintas durantes séculos, agregando elementos particulares de cada época.
Sua primeira aparição foi em A Canção de Rolando (c. 1060). A mais famosa, no entanto, é O Cavaleiro Ogier da Dinamarca (c. 1220), pertencente ao Ciclo dos Barões Rebeldes.
Acredita-se que sua lenda tenha sido baseada no cavaleiro franco Autcharius Francus, que prestava serviço a Carlomano, irmão mais novo de Carlos Magno e rei da porção oriental do Reino Franco. Após a morte de Carlomano, Carlos Magno unifica o reino sob seu poder, afastando todos aqueles ligados ao seu irmão. Assim, Autcharius teria escoltado a viúva Gerberga da Lombardia e seus filhos até o rei lombardo Desidério para protegê-los.
Se a inspiração é esta ou não, o fato é que Holger foi retratado tanto como aliado quanto como inimigo do rei franco.
Em A Canção de Rolando encontra-se a primeira das anedota de um jogador que mata o outro com uma peça ou o tabuleiro de xadrez. O jogo chegou à Europa na segunda metade do século XI. A primeira vítima na literatura foi Balduíno, filho de um Otcarius, identificado por Metelo de Tegernsee como Ogier (Holger). O agressor teria sido o filho de Carlos Magno, Carlos, o Jovem. Holger, furioso, mata por vingança Loher, sobrinho da rainha. Tenta matar até mesmo o próprio Carlos Magno, mas é impedido por seus cavaleiros e feito prisioneiro.
Porém, Holger é retratado também como um dos 12 pares (ou paladinos) de Carlos Magno, embora este último detalhe seja posterior à Canção de Rolando. Nesta última, ele aparece com líder da vanguarda na Batalha de Roncesvales (778). No episódio, a retaguarda do exército de Carlos Magno, que incluía seus 12 pares (sem Holger entre eles), foi dizimada pelos bascos.
Em Roncesvales, Holger não recebe grande destaque. Entretanto, após ter sido libertado da prisão, ele possui um papel decisivo na batalha contra o emir da Babilônia, Baligant, liderando bávaros do terceiro exército e matando o porta-estandarte inimigo. Duas estrofes foram dedicadas ao herói dinamarquês.
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Porém, foi na gesta do século XIII O Cavaleiro Ogier da Dinamarca que ele se tornou o personagem principal da narrativa. A lenda o descreve como filho do rei viking Godofredo I da Dinamarca, que reinou entre c. 804–810. Aqui, é dito que ele foi entregue como refém a Carlos Magno pelo pai, que havia caído em desgraça perante o rei franco. Vigiado de perto por Carlos Magno, alcançou fama como grande guerreiro nas guerras contra os sarracenos, caindo nas graças do soberano.
Foi também naquele século que sua lenda finalmente chegou aos países nórdicos, com a Saga de Carlos Magno (Karlamagnús saga) do século XIII. No século XVI, durante o reinado de Cristiano II, a lenda ganharia uma tradução para o dinamarquês de O Cavaleiro Ogier da Dinamarca. O texto contaria com algumas ampliações. É o caso do poema Holger Danske e Burmand, que fala da vitória do herói contra o gigante Burmand.
Holger em Avalon
Sua lenda se mistura à do Rei Artur repetidas vezes ao longo dos séculos. É dito que sua espada, Cortana, teria sido herdada do cavaleiro da Távola Redonda, Tristão. Nela, haveria uma inscrição que diz: “O meu nome é Cortana, do mesmo aço e têmpera de Joiosa e Durindana”. Joiosa era a espada de Carlos Magno, ao passo em que Durindana pertencia a Rolando.
Aproximadamente em 1315, foi publicada a primeira continuação de O Cavaleiro Ogier da Dinamarca. Contando com 20.000 versos, o poema acompanha a odisseia de Holger na Inglaterra, na Dinamarca e em Acre, onde ele sofre uma traição. Então, ele é mantido preso durante cinco anos na Babilônia. Após o período de cativeiro, ele tenta chegar a Jerusalém, mas seu navio é pego em uma tempestade e desviado de seu curso, sendo atraído por uma ilha de rochas magnéticas.
Chega por fim ao castelo de Aymant (Avalon, descrita aqui como um castelo), onde passa uma noite. Ali, ele é servido de numerosas coisas maravilhosas por um cavalo, Papillon (Borboleta), que comporta-se como um homem em uma mesa. O cavalo é, na verdade, uma fada transformada assim como punição pela fada Morgana.
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No dia seguinte, Holger, é forçado a lutar contra uma “serpente” (um dragão) que impede que ele deixe o castelo. Holger consegue derrotar a criatura e segue seu caminho, deparando-se com um pomar que pareceu-lhe um paraíso na Terra. Ele escolhe uma maçã e a come, sendo afligido por uma grande fraqueza. Porém, a fada Morgana aparece e lhe cede o anel da juventude. Holger tinha então 100 anos de idade, mas o anel devolveu-lhe a juventude dos 30. O episódio remete à morte simbólica do herói, abrindo passagem para o outro mundo.
Holger casa-se com Morgana, vivendo com ela em Avalon durante 200 anos. Após esse período, ele retorna à França durante o reinado de Felipe II. A Condessa de Senlis apaixona-se por ele e, enquanto faziam sexo, ela retira o anel do dedo de Holger, colocando-o na dela. Instantaneamente ela torna-se jovem novamente e ele um velho senil, até recuperar o anel. Pouco depois, movida por ciúmes, Morgana rapta-o de volta para Avalon.
No poema do século XIV Roman d’Ogier, Morgana visita-o em seu berço enquanto ainda era bebê, acompanhada por cinco fadas. Naquele instante ela proclama que Holger estaria destinado a casar-se com ela. Quando isso acontece, ele torna-se rei da Inglaterra e tem dois filhos com a fada.
O rei sob a montanha
As lendas dos reis habitando em cavernas nas montanhas povoam as mentes de diversos povos e épocas. São descritos como heróis adormecidos em locais remotos, nem sempre montanhas (ilhas, reinos sobrenaturais etc.), acompanhados ou não por seus guerreiros. Entre exemplos históricos e lendários com este motivo temos Carlos Magno, Frederico Barbarossa, Dom Sebastião e o Rei Artur.
Nos subterrâneos do Castelo de Kronborg, na cidade portuária de Helsingør, encontra-se a famosa estátua representando Holger Danske. O castelo é o mesmo onde se passa a história de Hamlet de William Shakespeare. Aquele seria o local onde Holger descansa e de onde se erguerá para salvar a Dinamarca quando esta estiver em perigo.
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A popularização da lenda do descanso prolongado (em vez de morte) de Holger no castelo é atribuída a Hans Christian Andersen, com seus Novos Contos de Fadas (1844). A estátua retrata Holger repousando sentado de braços cruzados. Vestindo armadura e armado com espada e escudo, o herói adormecido está devidamente prevenido para cumprir a sua profecia após despertar.
Referências
- ANDERSEN, Hans Christian. Holger Danske. 1845. Disponível em: http://hca.gilead.org.il/holger_d.html. Acesso em: 21 ago. 2019.
- GERRITSEN, Willem P.; VAN MELLE, Anthony G. A Dictionary of Medieval Heroes: Characters in Medieval Narrative Traditions and their Afterlife in Literature, Theatre and the Visual Arts. Woodbridge: Boydell Press, 2000. 344 p.
- GREEN, Richard F.; BENNETT, Philip E. (Ed.). The Singer and the Scribe: European Ballad Traditions and European Ballad Cultures. Amsterdam: Rodopi, 2004. 227 p.
- HOYER-POULAIN, Emmanuelle. Une épopée à la mode humaniste. Cahiers de Recherches Médiévales Et Humanistes, [s.l.], n. 2, p.12-23, 12 dez. 1996. OpenEdition. http://dx.doi.org/10.4000/crm.2476. Disponível em: https://journals.openedition.org/crm/2476. Acesso em: 21 ago. 2019
- TOGEBY, Knud. Ogier le Danois. Revue Romane, Copenhague, v. 1, p.110-119, jan./fev. 1966. Disponível em: https://tidsskrift.dk/revue_romane/article/view/28787/25188. Acesso em: 21 ago. 2019.
Fonte da imagem destacada: Kongelige Slotte